A morte é a última coisa que eu quero que me aconteça

O Setembro Amarelo é uma campanha de prevenção ao suicídio inicialmente promovida pelo Centro de Valorização da Vida (CVV – TELEFONE 188), pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Associada ao Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, 10 de setembro, organizado pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) e endossada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O assunto do suicídio deve ser abordado de modo simples, embora complexo, o que não significa que isso seja algo fácil, é um paradoxo. Simples pelo fato de se tratar de saúde pública e esse assunto não deve ser negligenciado, assim como qualquer assunto de interesse da comunidade. E complexo por se tratar de uma decisão genuinamente filosófica e abstrata, demasiadamente humana. O paradoxo, como o filme do diretor Maurício Canterle, é que quanto mais suicidas, menos suicidas.

Em cérebro eletrônico, Gilberto Gil canta:

“Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro
Porque sou vivo
Vivo prá cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo
Sou muito vivo e sei

Que a morte é nosso impulso primitivo e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro e seus olhos de vidro”

Um dos nossos principais psicanalistas, Sigmund Freud, sentiu em pele e osso esse dilema. Normalmente ao se falar da causa da morte de Freud, costuma-se ser superficial, dizendo que ele “morreu de câncer.” Isso não é totalmente correto; ele morreu com câncer. Chamar de eutanásia parece mais apropriado, porém não foi um caso típico, como alguém em morte cerebral ou inconsciente. Freud tomou a decisão conscientemente. Isso se aproxima de um ato suicida, compreensível no contexto de seu sofrimento e das limitações terapêuticas da época. O cuidado ao abordar o tema é semelhante ao constrangimento e silêncio que cercam as famílias de suicidas, sugerindo um possível preconceito velado.

Freud talvez tenha buscado a morte por medo de não encontrá-la vivo, antecipando a ideia de Winnicott: “que eu esteja vivo no momento da minha morte.” Essa antecipação pode ser dura para os que estão ao redor. Tecnicamente, o que Freud fez foi uma morte assistida. A diferença aqui é a presença de um interlocutor. As pessoas, inclusive psicanalistas, parecem aceitar melhor essa decisão quando associada a um colapso clínico irreversível, enquanto tendem a moralizar e sentir vergonha quando o suicídio é visto como resultado de um colapso emocional ou uma doença mental prolongada. Reduzir os preconceitos é essencial para uma compreensão mais profunda desse ato, que, de acordo com a filosofia, é o único problema filosófico realmente sério. 

Desmoralizar todos os aspectos relacionados ao suicídio (pensamentos, tentativas, consumação) é fundamental para desenvolver métodos eficazes na escuta, compreensão e tratamento desses pensamentos, que, em certas circunstâncias, ninguém está totalmente imune a ter. Geralmente, as pessoas só falam sobre seus pensamentos suicidas se sentirem que não serão julgadas. Por outro lado, só não julga quem aceita que essa é uma condição à qual todo mundo está suscetível. 

O suicídio é mais comum do que se imagina, e é ainda mais frequente encontrar pessoas com ideias suicidas ou que tentam o suicídio. Com intervenções adequadas, muitas dessas pessoas conseguem viver de maneira satisfatória, sem o peso da desesperança e a intrusão de pensamentos perturbadores.

Tanto quanto mais suicidas, menos suicidas, também é verdade que todo suicida é um homicida. Isso é sempre importante lembrar quando estamos diante de um paciente que refere esse tipo de pensamento. Avaliar o potencial de violência é de suma importância e saber que casos de melancolias graves e de esquizofrenia, sobretudo em homens, podem ser fatais. É justamente em Luto e Melancolia que temos o vislumbre do narcisismo.

A morte é a última coisa que eu quero que me aconteça, já dizia algum poeta. Estou de acordo, nada mais melancólico que ser imortal.

Thércio Andreatta Brasil

Médico Psiquiatra – CRMRS 38079

Membro do Instituto de Psicanálise da SBPdePA

Presidente da Organização de Candidatos da América Latina – OCAL

therciobrasil@gmail.com

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