Junho é o Mês Mundial de Conscientização da Infertilidade e queremos aproveitar para compartilhar informações e esclarecimentos sobre o tema. A infertilidade surge de forma inesperada. O imprevisível se apresenta, varre as certezas, e o que parecia sólido torna-se líquido e desliza pelas fendas. Há um descompasso entre o corpo e o desejo. É difícil aceitar que o esperado falhe, especialmente quando ele corresponde a um desejo (Berenstein, 2008).Torna-se necessário renunciar à ilusão de que a fertilidade é um “tesouro guardado”, imune à ação do tempo e de outros agentes desfavoráveis, que pode ser resgatado a qualquer momento (Ribeiro, 2004).
Porém, o tempo não para e nem o relógio biológico desacelera. Ao contrário, esse relógio registra a passagem do tempo e suas consequências na capacidade reprodutiva tanto da mulher quanto do homem. Estimativas da World Health Organization (WHO) apontam que, no mundo, aproximadamente 186 milhões de indivíduos em idade reprodutiva e 48 milhões de casais são afetados pela infertilidade, doença do sistema reprodutivo masculino e feminino que se define pela dificuldade de engravidar após 12 meses ou mais de relações sexuais regulares e sem proteção.
Receber o diagnóstico de infertilidade costuma ser uma experiência devastadora, um terremoto que abre fendas no psiquismo, causa revolta, indignação, frustração, sentimentos de incapacidade e inadequação. Provoca sentimentos dolorosos e pode gerar transtornos emocionais que contribuem para o surgimento de problemas conjugais ou para o seu agravamento (Faria, 2012). O filho que não vem é aquele que não reassegura o narcisismo parental, transformando esses sujeitos em indivíduos órfãos de filhos. É um abalo narcísico (Ribeiro, 2005) e, às vezes, um luto permanente no sujeito (Urdapilleta, 1998; Melamedoff, 2005). Além disso, representa a perda da fantasia de estabelecer um elo entre o passado e o futuro por meio de um filho (Burns, 2005), gerando um sentimento de impotência em cumprir a função parental esperada pela sociedade.
Na mulher, em especial, a taxa de fertilidade cai significativamente após os 35 anos, causada pela diminuição da sua reserva ovariana e da baixa qualidade de seus óvulos. No homem, embora de maneira menos drástica, essa taxa também diminui. Para outros grupos, não é a passagem do tempo que dificulta a concretização desse projeto, mas sim, a presença de patologias no aparelho reprodutivo ou um relacionamento homoafetivo.
Sendo a infertilidade um problema do casal e tendo-se como pressuposto que a parentalidade seja um projeto por eles compartilhado, o vínculo conjugal torna-se um receptáculo das angústias, frustrações, dos sentimentos de tristeza, indignação, desesperança, raiva e desamparo. Surge então, um nó cego, difícil de ser desatado, que une duas partes, apesar das forças que tentam desmanchá-lo. Ou um nó percebido como um obstáculo, que não permite que se crie um laço, no qual são necessárias duas pontas de uma fita para que se forme um laço.
A vivência da infertilidade adquire um sentido próprio e requer um processo de reorganização, seja no nível individual ou conjugal, para o manejo da nova realidade inesperada que se apresenta e que pode bloquear outras capacidades, enrijecer seu funcionamento psíquico e empobrecer seus recursos para lidar com a situação (Balmaceda R, Fernández O, Fernández E, Fabres V, Huidobro A, Sepúlveda J, et al., 2001; Ribeiro, 2004; Makuch, 2006). Outros aspectos da vida do casal também podem sofrer influência da condição de infértil, como a convivência com familiares e amigos que têm filhos pequenos e as interações sociais, que se veem prejudicadas pelo estigma e pela escassez ou falta de apoio. Dessa forma, há diminuição da qualidade de vida da dupla (Boivin, Appleton, Baetens, Baron, Bitzer, Corrigan et al, 2001) e isso poderá afetar significativamente o vínculo do casal (Michelon, Farinati, Crestani, Polanczyc, Uratani & Crossetti, 2004).
O tratamento da infertilidade depende dos fatores etiológicos identificados na etapa do diagnóstico: clínico e/ou cirúrgico. Quando essas abordagens não são eficazes, é necessário recorrer às Técnicas de Reprodução Assistida (TRA) para tornar possível o encontro de gametas, seja diretamente no organismo da mulher ou em laboratório (Sá, 2023). Entretanto, não há garantia de sucesso. É um suporte da tecnologia ao sonho do casal, uma oportunidade de resgatar a autoestima e favorecer o encontro do sujeito consigo mesmo.
A vivência do tratamento por TRA apresenta especificidades que variam de acordo com a singularidade de cada sujeito. Frente ao ineditismo da situação e dos recursos emocionais, antigos conflitos de ordem intrapsíquica e intersubjetiva poderão ser acionados, levando a sofrimentos intensos e à ruptura de laços afetivos.
Nesse contexto, torna-se indispensável oferecer a indivíduos inférteis um espaço de escuta sensível, de reflexão e interlocução, conduzido por um profissional de saúde mental (psicólogo, psicanalista, psiquiatra), que tenha conhecimento sólido acerca dos processos emocionais, das técnicas de reprodução assistida e suas implicações para os pacientes. Assim, poderemos ajudá-los a enfrentar da melhor maneira possível as demandas que virão e as escolhas que terão que fazer.
Atento a essas questões, desde março de 2022, o Instituto Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade (CIPT) criou o Departamento de Reprodução Assistida (DRA), sob a coordenação da Psicóloga Lia Mara Dornelles. Semanalmente, um grupo de psicólogos da Instituição se reúne para estudar, discutir e ouvir profissionais de diversas partes do país sobre temas relacionados à interface Psicanálise – Reprodução Assistida, a qual possui especificidades, sutilezas e questões emocionais inusitadas e cada vez mais desafiadoras. Ciente da necessidade de oferecer uma escuta psicológica qualificada e direcionada a esse público, o Instituto Contemporâneo de Psicanálise e Transdisciplinaridade disponibiliza atendimento clínico a esse público.
Se você está atravessando momentos como os que relatamos aqui ou conhece alguém que esteja vivenciando questões em relação à infertilidade ou impasses frente aos Tratamentos por Reprodução Assistida, busque ajuda qualificada. Não sofra calado. Contate o serviço de atendimento clínico da Instituição.
Departamento de Reprodução Assistida/ CIPT
Lia Mara Netto Dornelles – Coordenadora
Andrea Damian, Carolina Ramos, Cíntia Dipp, Danieli Trevisan, Liane Hoff, Patrícia Müller, Rosiani Battisti.